OS DONS DO ESPÍRITO SANTO
Em síntese: Os dons do Espírito Santo são como “receptores” aptos a captar os impulsos do Espírito mediante os quais o cristão se encaminha para a perfeição em estilo novo ou com a eficácia que o próprio Deus lhe confere. Possibilitam ao cristão ter a intuição profunda do significado das verdades reveladas por Deus assim como de cada criatura. Proporcionam também tomadas de atitude que nem a razão natural nem as virtudes humanas, sujeitas sempre a hesitações e falhas, conseguiriam indicar ou efetivar.
Para ilustrar o que são os dons, pode-se recorrer à imagem de um barco que navega: se é movido a remos, avança lenta e penosamente, com grande esforço para os remadores. Caso, porém, estes desdobram as velas do barco para que capte o sopro dos ventos favoráveis, os remadores descansam e o barco progride em estilo novo segundo velocidade “sobre-humana”. – Ora o barco movido ao sopro do vento que bate contra as velas, é imagem do cristão impelido pelo Espírito, segundo medidas divinas, para a meta da sua santificação.
Os dons do Espírito Santo são sete, segundo a habitual recensão dos teólogos: sabedoria, entendimento, ciência, conselho, fortaleza, piedade, temor de Deus. Para se beneficiar da ação do Espírito Santo, o cristão deve dispor-se de duas maneiras principais: a) cultivando o amor, pois é o amor que propicia afinidade com Deus e, por conseguinte, torna o cristão apto a ser movido pelo Espírito de Deus; b) procurando jamais dizer um Não consciente e voluntário às inspirações do Espírito. Quem se acostuma a viver assim, cresce mais velozmente na sua estatura definitiva e se configura mais fielmente ao Cristo Jesus.
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Em nossos dias a renovação da oração e da espiritualidade cristãs apela freqüentemente para a ação do Espírito Santo nos corações. Muitos fiéis se tornam conscientes de que “ninguém pode dizer “Jesus Cristo é o Senhor” senão sob a moção do Espírito Santo” (cf. 1Cor 12, 3), sabem cada vez mais que “todos os que são movidos pelo Espírito de Deus, são filhos de Deus” (cf. Rm 8, 14). A consciência destas verdades vem despertando cada vez mais a atenção para a teologia espiritual. É, pois, oportuno procurarmos conhecer melhor as maneiras como o Espírito Santo age nos corações, descrevendo os seus dons e o significado destes na vida dos filhos de Deus.
1. QUE SÃO OS DONS DO ESPÍRITO SANTO?
1. Do inicio, é preciso propor a distinção que a Teologia costuma fazer entre dons e carismas (embora a palavra charisma em grego significa dom).
Por carismas entendem-se graças especiais pelas quais o Espírito Santo torna os cristãos aptos a tarefas e funções que contribuem para o bem ou o serviço da comunidade: assim seriam o dom de profecia, o das curas, o das línguas, o da interpretação das línguas… Os carismas têm por vezes (não sempre) índole extraordinária, como no caso de certas curas ou da glossolalia.
Por dons compreendem-se faculdades outorgadas ao cristão para seguir mais seguramente os impulsos do Espírito no caminho da perfeição espiritual. Os dons e seus efeitos são discretos, não chamando a atenção do público por façanhas portentosas.
2. PARA ENTENDER MELHOR O QUE SEJAM OS DONS DO ESPÍRITO, RECORRAMOS A UMA ANALOGIA:
Quando uma criança nasce para a vida presente, é dotada por Deus de tudo que é necessário à sua existência humana: recebe, sim, um organismo completo e uma alma portadora de faculdades típicas do ser humano. Como se compreende, esse conjunto ainda não esta plenamente desenvolvido quando o bebê vem ao mundo, mas é certo que a criança possui tudo que constitui a pessoa humana.
Ora algo de análogo se dá na vida espiritual. Diz-nos Jesus que renascemos da água e do Espírito Santo pelo batismo (cf. Jo 3, 5). Este renascer importa receber uma vida nova, a vida dos filhos de Deus, trazida pela graça santificante. Essa vida nova tem suas faculdades próprias, que são:
1) as virtudes infusas
a) teologais (fé, esperança, caridade): virtudes que nos põem em contato imediato com Deus;
b) morais (prudência, justiça, temperança, fortaleza): virtudes que orientam o comportamento do cristão frente aos valores deste mundo;
2) os dons do Espírito Santo, “receptáculos” próprios para captar as moções do Espírito Santo.
Importa salientar bem a diferença entre as virtudes infusas e os dons do Espírito Santo.
As virtudes infusas são ditas infusas porque não adquiridas pelo homem. São princípios de reta outorgados ao cristão juntamente com a graça santificante, para que se comporte não apenas como ser racional, mas como filho da Deus, elevado a ordem sobrenatural1. Os critérios de conduta do cristão são as grandes verdades da fé ou da ordem sobrenatural (que nem sempre coincidem com os da razão); por isto é que, ao renascer como filho de Deus, todo homem recebe os respectivos princípios de conduta nova, que são as virtudes infusas. Destas, três se orientam diretamente para Deus (a fé, a esperança e a caridade) e quatro se orientam para o reto uso dos bens deste mundo (prudência, justiça, temperança, fortaleza). Quando o cristão age mediante as virtudes infusas, é ele mesmo quem age segundo moldes humanos, limitados, lutando contra os obstáculos que geralmente a prática do bem encontra; de maneira lenta e trabalhosa o cristão cresce na fé, na caridade, na temperança, na fortaleza…, estando sempre sujeito a contradizer-se ou a cometer um ato incoerente com tais virtudes.
É sobre este fundo de cena que se devem entender os dons do Espírito Santo. Estes podem ser comparados a faculdades novas ou “antenas” que nos permitem apreender moções do Espírito Santo em virtude das quais agimos segundo um estilo novo, certeiro, firme, sem hesitação alguma e com toda a clarividência. Esta afirmação pode-se tornar mais clara mediante algumas comparações:
a) Imaginemos um barco que navega a remos… Adianta-se lentamente e com grande esforço e fadiga por parte dos remadores. Caso, porém, este barco tenha velas dobradas, admitamos que os remadores resolvam desdobrá-las, a fim de captar o vento que lhes é favorável. Em consequência, os marujos deixarão de remar, e o mesmo barco será movido a velocidade “sobre-humana”, de maneira nova a muito mais veloz do que quando movido a remos.
Ora o “mover-se a remos” corresponde ao esforço humano (sempre prevenido pela graça) para progredir na prática do bem mediante as virtudes infusas. O “deixar-se mover pelo vento que bate nas velas desdobradas”, corresponde ao progresso provocado pela ação direta do Espírito Santo, que move os seus dons (= velas) em nós; progredimos então muito mais rapidamente segundo um estilo novo.
b) Eis outra comparação: admitamos um pintor genial que se dispõe a realizar uma obra-mestra. Para iniciar, ele confia aos discípulos mais adiantados o trabalho de preparar a tela, combinar as cores e esquematizar o quadro. Quando tudo está preparado e começa a parte mais importante da obra, o próprio mestre traça as linhas finíssimas de sua obra, revelando o seu gênio e cristalizando a sua inspiração. – De maneira análoga, o Espírito traça no íntimo de cada cristão a imagem do Cristo Jesus. Os inícios desta tarefa, Ele os realiza mediante a nossa colaboração, permitindo-nos agir segundo os nossos moldes humanos (ou mediante as virtudes infusas). Quando, porém, se trata dos traços mais típicos do Cristo na alma humana, o próprio Espírito assume a tarefa da os delinear utilizando instrumentos especialmente finos a preciosos, que são seis dons.
Exemplificando, diremos: o homem prudente que, para a orientação de seus atos, só dispusesse de suas qualidades naturais e da virtude infusa da prudência, acertaria realmente, mas com grande lentidão, depois de várias tentativas. A prudência humana é insegura e tímida, mesmo quando acerta. – Ao contrário, quem age sob o influxo do dom do conselho, que corresponde à virtude da prudência, descobre de maneira rápida, certeira e firme o que deve fazer em cada caso.
Eis outro exemplo: quando o cristão se eleva, pela luz da fé, ao conhecimento de Deus, ele o faz de maneira imperfeita e laboriosa, recorrendo a imagens que são, ao mesmo tempo, claras e obscuras. – Dado, porém, que o cristão seja movido pelo Espírito mediante os dons de sabedoria e inteligência, ele contempla Deus e seu plano salvífico numa lúcida concatenação de idéias em poucos instantes e com grande sabor espiritual (em vez dos esforços exigidos pela virtude da fé).
As normas das virtudes são diferentes das normas dos dons. Quem age sob o influxo das virtudes, segue a norma do homem iluminado pela luz de Deus. Mas quem age sob o influxo dos dons do Espírito, segue a norma do próprio Deus participada ao homem.
3. Note-se que os dons do Espírito não são privilégio dos santos. Todos os cristãos os recebem no Batismo. Nem são necessários apenas às grandes obras, mas tornam-se indispensáveis à santificação do cristão mesmo na vida cotidiana.
O cristão pode permitir cada vez mais a ação do Espírito Santo em sua vida mediante os dons, caso se dedique especialmente ao cultivo das virtudes (principalmente da caridade) e se torne mais e mais dócil às inspirações do Espírito Santo. A prática do amor é importante, pois é o amor que nos comunica particular afinidade com Deus, adaptando-nos ao modo de agir do próprio Deus.
Procuramos agora penetrar no sentido próprio de cada um dos dons do Espírito.
2. Os dons em particular
A Tradição cristã costuma enunciar sete dons do Espírito, baseando-se no texto de Is 11,1-3 traduzido para o grego na versão dos LXX:
” 1 Brotará uma vara do tronco de Jessé
E um rebento germinará das suas raízes.
2E repousará sobre ele o espírito do Senhor:
Espírito de sabedoria e entendimento,
Conselho e fortaleza,
Ciência e temor de Deus,
3Piedade…”
VEJAMOS CADA UM DOS DONS DO ESPÍRITO SANTO
Sabedoria: este dom como que nos emudece diante das maravilhas de Deus. Ele faz sentir e saborear com docilidade os mistérios de Deus. Concedendo-nos uma compreensão não humana dos mistérios e da grandeza divina. É considerado o maior de todos os dons, porque eleva o homem a uma experiência sobrenatural de Deus. Diz o Senhor: “Feliz aquele que encontrou a Sabedoria…” (Pv 3, 13).
Entendimento: também conhecido como dom de Inteligência, é o dom que nos faz penetrar na Verdade Divina. Concede-nos um conhecimento que não está limitado ao esforço humano, mas ultrapassa, dando-nos a conhecer a Verdade que, simplesmente pela razão humana, não temos conhecimento.
Conselho: é o dom que nos faz agir com esperteza e nos faz escapar das astúcias dos nossos inimigos, muitas vezes, fazendo-nos escapar dos olhos da prudência simplesmente humana. Concede-nos a maneira certa de proceder diante de algumas situações que poderiam pôr em risco o caminho rumo a salvação.
Fortaleza: é o dom que nos move a executar o que nos ensina o conselho, tendo como finalidade a maior glória de Deus, apesar dos sacrifícios exigidos para isso. É, frequentemente, encontrado na vida dos mártires, aqueles que, conduzidos por uma força divina, deram a vida por Cristo.
Ciência: este dom está ligado intimamente com a Providência Divina, pois, pelo Dom de Ciência, conseguimos ver a mão de Deus nos acontecimentos mais ordinários do cotidiano. Ensina-nos a olhar os fatos da vida com o olhar de Deus. É característico na vida de alguns pregadores, dos santos doutores e dos diretores espirituais, cuja missão é propagar a fé e conduzir as almas.
Piedade: é o dom que nos faz tratar as coisas de Deus como sagradas, e a Ele mesmo com simplicidade, confiança verdadeira, como um filho deveria tratar o seu Pai. A piedade nos ajuda a entender o nosso lugar de filhos para com Deus e nos faz tratá-Lo como Pai.
Temor de Deus: não é um dom que nos faz ter medo de Deus, mas, em tudo, nos faz querer agradar-Lhe. Segundo o padre Arintero2 ,“a alma possuída por esse dom quer, a todo custo, destruir, o quanto antes, o ‘corpo de pecado’, vivendo sempre cercada da mortificação de Jesus Cristo, para que também, em sua própria carne mortal, manifeste-se a vida do Salvador”. É característico na vida de todo cristão batizado no início de sua caminhada com Jesus Cristo, onde busca moldar a sua vida de acordo com a Lei de Deus.
Renné Viana
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