FALAR COM DEUS
Invocar-me-eis e Eu vos atenderei (Ier XXIX, 12). E nós o
invocamos conversando com Ele, dirigindo-nos a Ele. Por isso,
temos que por em prática a exortação do Apóstolo: Sine intermissione
orate (1 Thes, V, 17); rezai sempre, aconteça o que
acontecer. Não só de coração, mas de todo o coração (S. Ambrósio,
Expositio in Psalmum CXVIII, XIX, 12 -PL 15, 1471).
Talvez se pense que a vida nem sempre é fácil de levar, que
não faltam dissabores e penas e tristezas. Responderei, também
com São Paulo, que nem a morte, nem a vida, nem os anjos,
nem os principados, nem as virtudes; nem o presente, nem
o futuro, nem a força, nem o que há de mais alto, nem de mais
profundo, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos
jamais do amor de Deus, que se fundamenta em Jesus Cristo
Nosso Senhor (Rom VIII, 38-39). Nada nos pode afastar da caridade
de Deus, do Amor, da relação constante com o nosso Pai.
Recomendar esta união contínua com Deus, não será apresentar
um ideal tão sublime, que se revele inacessível à maioria
dos cristãos? Na verdade, alta é a meta, mas não inacessível.
A senda que conduz à santidade é senda de oração, e a oração
deve vingar pouco a pouco na alma, como a pequena semente
que se converterá mais tarde em árvore frondosa.
Começamos com orações vocais, que muitos de nós repetimos
quando crianças: são frases ardentes e singelas, dirigidas
a Deus e à sua Mãe, que é nossa Mãe. Ainda hoje, de manhã
e à tarde, não um dia, mas habitualmente, renovo aquele oferecimento
de obras que me ensinaram meus pais: O’ Senhora
minha, ó minha Mãe! Eu me ofereço todo a Vós. E, em prova do
meu afeto filial, vos consagro neste dia os meus olhos, os meus
ouvidos, a minha boca, o meu coração... Não será isto - de certa
maneira - um princípio de contemplação, demonstração evidente
de confiado abandono? O que é que dizem um ao outro
os que se amam, quando se encontram? Como se comportam?
Sacrificam tudo o que são e tudo o que possuem pela pessoa
amada.
Primeiro, uma jaculatória, e depois outra, e mais outra..., até
que parece insuficiente esse fervor, porque as palavras se tornam
pobres..., e se dá passagem à intimidade divina, num olhar
para Deus sem descanso e sem cansaço. Vivemos então como
cativos, como prisioneiros. Enquanto realizamos com a maior
perfeição possível, dentro dos nossos erros e limitações, as tarefas
próprias da nossa condição e do nosso ofício, a alma anseia
escapar-se. Vai-se rumo a Deus, como o ferro atraído pela
força do ímã. Começa-se a amar a Jesus de forma mais eficaz,
com um doce sobressalto.
Eu vos livrarei do cativeiro, estejais onde estiverdes (Ier
XXIX, 14). Livramo-nos da escravidão pela oração: sabemo-nos
livres, voando num epitalâmio de alma apaixonada, num cântico
de amor, que impele a não desejar afastar-se de Deus. Um
novo modo de andar na terra, um modo divino, sobrenatural,
maravilhoso. Recordando tantos escritores castelhanos quinhentistas,
talvez nos agrade saborear isto por nossa conta:;
vivo porque não vivo; é Cristo que vive em mim! (Cfr. Gal II,
20).
Aceita-se com gosto a necessidade de trabalhar neste mundo
durante muitos anos, porque Jesus tem poucos amigos cá em
baixo. Não recusemos a obrigação de viver, de nos gastarmos -
bem espremidos - a serviço de Deus e da Igreja. Desta maneira,
em liberdade: in libertatem gloriae filiorum Dei (Rom VIII, 21),
qua libertate Christus nos liberavit (Gal IV, 31); com a liberdade
dos filhos de Deus, que Jesus Cristo nos conquistou morrendo
sobre o madeiro da Cruz.
É possível que, já desde o princípio, se levantem grandes
nuvens de pó e que, ao mesmo tempo, os inimigos da nossa
santificação empreguem um técnica tão veemente e tão bem
orquestrada de terrorismo psicológico - de abuso de poder - que
arrastem em sua absurda direção inclusive aqueles que durante
muito tempo mantinham outra conduta mais lógica e reta. E,
embora essa voz soe a sino rachado, que não foi fundido com
bom metal e é bem diferente dos silvos do pastor, desse modo
aviltam a palavra, que é um dos dons mais preciosos que o homem
recebeu de Deus, dádiva belíssima para manifestar altos
pensamentos de amor e de amizade ao Senhor e às suas criaturas;
a tal ponto que se chega a entender por que São Tiago diz da
língua que ela é um mundo inteiro de malícia (Iac III, 6), tantos
são os males que pode causar: mentiras, detrações, desonras,
embustes, insultos, murmurações tortuosas.
Amém.
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