segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

O INACABADO QUE HÁ EM MIM

 

O INACABADO QUE HÁ EM MIM

Eu me experimento inacabado (a). 

Da obra, o rascunho. 

Do gesto, o que não termina. 

Sou como o rio em processo de vir a ser. 

A confluência de outras águas e o encontro com filhos de

Outras nascentes o tornam outro. 

O rio é a mistura de pequenos encontros. 

Eu sou feito de águas, muitas águas. 

Também recebo afluentes e com eles me transformo.

O que sai de mim cada vez que amo? 

O que em mim acontece quando me deparo com a dor que não é minha, 

Mas que pela força do olhar que me fita vem morar em mim? 

Eu me transformo em outros? 

Eu vivo para saber. 

O que do outro recebo leva tempo para ser decifrado. 

O que sei é que a vida me afeta com seu poder de vivência. 

Empurra-me para reações inusitadas, tão cheias de sentidos ocultos. 

Cultivo em mim o acúmulo de muitos mundos. 

Por vezes o cansaço me faz querer parar. 

Sensação de que já vivi mais do que meu coração suporta. 

Os encontros são muitos; as pessoas também. 

As chegadas e partidas se misturam e confundem o coração. 

É nesta hora em que me pego alimentando sonhos de cotidianos estreitos, previsíveis.

Mas quando me enxergo na perspectiva de selar o passaporte e 

Cancelar as saídas, eis que me aproximo de uma tristeza infértil. 

Melhor mesmo é continuar na esperança de confluências futuras. 

Viver para sorver os novos rios que virão. 

Eu sou inacabado. 

Preciso continuar.

Se a mim for concedido o direito de pausas repositoras, 

Então já anuncio que eu continuo na vida. 

A trama de minha criatividade depende deste contraste, deste inacabado que há em mim. 

Um dia sou multidão, no outro sou solidão. 

Não quero ser multidão todo dia. 

Num dia experimento o frescor da amizade, 

No outro a febre que me faz querer ser só. 

Eu sou assim. 

Sem culpas.

 

Padre Fábio de Melo

 

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